Ainda não escrevi sobre, acredito que porque, ainda, não tinha percebido a dimensão das mudanças na minha vida com o ciclo que concluí recentemente na UERJ — finalmente estou formado e autorizado a dizer, formal e institucionalmente, que sou professor de artes, arte-educador, como também dizem. Mas hoje, olhando no sistema e vendo que a colação de grau consta lá — e dando entrada no pedido de diploma — a ficha caiu retumbante. Daí que estou aqui, escrevendo.
Sempre fui um sujeito das artes. Quando mais novo, muito enfeitiçado pela história da carochinha do gênio que vence todas as adversidades — ou fracassa desgraçada e romanticamente sendo reconhecido após a morte -, tentei de muitas formas me legitimar nos espaços. De algumas formas, consegui. Mas a conta por se legitimar sozinho, para pessoas como eu, é alta demais; tão cara que, depois de alguns anos, não tinha mais estrutura psicológica para continuar me bancando, me afirmando, etc. veio um período de crise, interna e externa, e não deu mais. Veio a necessidade de reinvenção.
Assumir que, em meu caso, a aspiração ao “gênio” como narrativa era, em larga medida, fruto de uma miragem rasteira da lógica neoliberal foi dolorido, bem mais do que a minha máscara leonina gostaria de admitir e, claro, levei muito tempo para suturar essa ferida narcísica e adotar uma postura tão afirmativa quanto possível para seguir adiante reconstruindo-me também como possível.
A sala de aula me atravessou muito cedo. Uma amiga disse lá no começo que eu tinha um dom quase mágico para dar aulas. Em uma pequena medida ela estava certa, mas só o suficiente para significar que, sim, a sala de aula era um lugar onde eu me sentia bem em ocupar. Erros e acertos, claro; mas sempre mantive uma ética de que me orgulho e sempre pensei esse lugar, a sala, como feito para o aluno acima de qualquer vaidade — muita — que eu tivesse.
Após a crise, pelo menos a interna, se aquietar minimamente, fiz o vestibular e passei. Encontrei professores maravilhosos, colegas incríveis e eu, que já tinha me desenganado quanto a ideia de estar numa universidade pública, me vi ali, ocupando uma, sendo parte de uma. Emoções mil (acho que li numa das cartas do Caio F.), cansaço, suor e lágrimas, mas a cada período a certeza se sedimentava: a sala de aula é mesmo um lugar para mim. Nada fácil. Nunca é. E quantas ambivalências! Falar terrivelmente mal de um professor num dia e, às vezes, no mesmo dia ser surpreendido com um ato maravilhoso daquele que até há pouco era teu algoz. A sala de aula é foda, risos.
Durante um tempo, acho que lá por 2016, eu entrava no site do Iart para ver a ementa do curso e ficava estudando sozinho para me inteirar das coisas que naquela época eu achava que não eram mais possíveis para mim. O que quero dizer é que quando entrava no site eu me sentia muito melancólico porque não estava ali (formalmente estudando), porque estava às margens e, naquela época, ainda estava sarando a ferida de que mencionei a pouco — aquela de quando o vidro com a projeção do mito do gênio se estilhaçou na minha frente desencadeando o começo da crise e a necessidade de reinvenção. Importante afirmar que, claro, estava enganado: aquele lugar poderia, sim, ser o meu lugar também.
Ainda bem que tive o discernimento de entender isso.
Todo professor da minha formação foi muito importante, até os péssimos. Acontece, né? Se tem o ótimo, tem o péssimo. Inclusive, acontece de ser um péssimo aluno também. E nem precisa faltar pra isso, ou mandar mal numa prova, ou sei lá o quê; para ser um péssimo aluno basta estar de ouvidos fechados, não querer troca. Em vários momentos me vi assim, indisposto à troca. Não me arrependo nenhuma vez de ter revisto essa posição obtusa.
Há pouco estava lendo o Paulo Freire. Estou estudando para um concurso. Sinto que as coisas começam a mudar e que agora tenho, como nunca tive, planos sólidos para o futuro. Sólidos porque tenho para me amparar, centenas de colegas e professores que agora são meus pares e por isso já não me afirmo sozinho, já não preciso procurar brechas para me legitimar sozinho. A legitimação de agora é coletiva e isso é muito, mas muito, bom mesmo.
Como disse, estou estudando para um concurso. Espero passar, ter estabilidade, retribuir o que, tão suado, meus pais fizeram por mim. E também, claro, o que eu fiz por mim, porque de fato foi um feito coletivo (sem as múltiplas redes de apoio, família, companheira, colegas, professoras não seria possível), mas também individual. (e aqui julgo necessário marcar e agradecer ao cuidado que tive comigo mesmo em me dar uma nova chance)
Entrei na licenciatura do Iart extremamente vaidoso — do tipo melindroso, veemente às vezes vazio -, saio vaidoso. Mas cheio de dúvidas.
E isso é muito, muito, bom mesmo. Risos.
IART, obrigado por tudo.